Bruno ontem saiu. Não voltou.
Já são vinte e quantro horas que a mãe de Bruno não sabe de seu filho.
Clamam-se por notícias.
Bruno saiu na noite errante, perdeu-se na escuridão.
Enquanto isso, sua mãe converteu todas as noites em manhãs.
Um dia, encontraram Bruno de braços dados com a noite, profundamente adormecido.
2016
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O poço
A paisagem virou estrada de zingo.
Correm meus olhos sobre a estranha paisagem de um poço escuro. Vejo poço em tudo.
E este céu é todo poço sem fundo, com suas estrelas e interjeições silenciosas. Minha boca é toda esta interjeição.
E eu vejo um olho feito de chumbo. O chumbo e nem paisagem. O chumbo que nada refletia.
Sol com gosto de zingo. Sal com gosto de sol. Nós e nó.
E os olhos dele de costas para os olhos dela. Pleno dia, pleno sol, pleno sal. Gosto de papel de prata, reluzia na língua. Gosto de nada. Nem sal, nem prata, nem faca. Só interjeição silenciosa. Aflita. Nem memória reconstruída. Só discórdia. Que nem corda e poço, que nem corda, poço e poça. Que nem corpo e corda refletida no poço.
2015
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O vento, o silêncio e uma canção
O vento e o silêncio haviam feito um pacto e uma canção.
Quantas estrelas, quantos véus e tantos caminhos…
Amargo é o silêncio em mim.
O silencio do ausente sempre presente. O infinito.
Debaixo do travesseiro, desespero, eu te buscarei
Etéreo.
Partícula.
Presença.
Em um suspiro, em um pensamento, em um segundo.
Naquele sonho pela noite: tu estarás.
Ouvirei tua voz a me reclamar no silêncio mais profundo.
Talvez no azul possa te encontrar.
De costas para o futuro andando às avessas como um louco.
Errante seguirei.
Porque grande é a dor daquele que nunca encontra, porque eterno é o desejo do jamais.
2015
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Eu vi o tempo em câmera lenta ao nascer do sol. Foi quase um milésimo de segundo e era tão lento. Eu pude ver um milhão de adeus em um segundo, uma fração de segundo e um milhão de despedidas. Ainda pude segurá-lo em minhas mãos, embora tardiamente o percebesse.
O tempo titubeou entre vulgares trocos, ninharias e um pequeno gesto. Flutuou pelo ar, me fez para trás voltar algumas vezes. Meus olhos fixos através da janela. O corpo não reagia, teu corpo só maresia, pois teu corpo foi também paisagem e ilusão.
Eu vi o tempo e ele me dizia não.
2014
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Ostra
Por saber que a ostra, quando desnuda, perde o sentido de horizonte é que sei a razão pela qual aquele vasto mar para mim hoje é solidão. O que são os vazios naquela casa repleta de não onde nem a memória pousa sobre os objetos? Qualquer expressão. Abandono e esquecimento. Vejo o tempo guardado naquela casa. Vejo olhos que repousam sobre poças de lama. Distraídos eles veem a casa refletida. Ilusão. E eu me pergunto qual afinidade há entre a poça e a casa? Que estreita relação há entre você e um ponto?
O caminhar parado do tempo possui todas as portas fechadas. São como desígnios de um copo vazio. Somente um copo vazio. A alma por dentro nem lama, nem espalho d’água, nem ilusão. A alma por dentro nem morta, nem revolta, a alma por dentro da ostra, que nem ostra sem casa, porque ostra desnuda não tem horizonte.
2013
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Eu vi o céu imerso em um corpo azul profundo em movimento.
Sobre esse corpo eu pude ver teus olhos e eu não sabia se a cor vinha de teus olhos ou do céu.
Eu estiquei os braços na direção desse corpo, não tive medo, mas ao tentar retê-lo, ele, o corpo, se desfazia. Por isso também fui triste.
Eu vi uma boia diante de mim e desconfiei que eu fosse aquela boia. Lembrei- me de você e fui te buscar. Vinhas feito menino e eu fui criança ali também. Podíamos rir das histórias de sereias e planejávamos um retorno à ilha. Era possível ver-te se transformado em um deus e só assim eu te reconhecia.
Mas logo retomavas o corpo de homem e eu tornava a te esquecer. Por isso fui também vazia. Eu pude escutar teu silêncio em voz de seda a escorregar pelo meu corpo e entendi que a felicidade é uma invenção.
Caiam gotas cristalinas na superfície azul e logo tomavam também parte daquele corpo. Sob a luz parecia mercúrio e isso me lembrava à infância. Então, novamente te vi pequeno e livre e éramos felizes. E eu descobri que a tristeza também é uma invenção.
Eu chamava pelo tempo e pedia ao deus das águas para me levar até você. Mas ele não me ouvia. Eu vi de novo teus olhos, agora eram negros e vi o profundo em mim e tive medo.
Então veio o vento e me levou ao não-lugar e só ali, entendi que a vida também pode ser uma invenção. Por isso me fiz gigante, te fiz um deus e criei uma ilha onde todas as direções levavam ao caminho certo, onde o distante já não existia e o improvável era a única certeza possível.
2013
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O filho pequenino da solidão
Há luzes lá no céu em seu movimento de nuvens.
Tudo é tão perfeitamente só, silencioso e denso que eu posso até tocar a volátil existência do ser enquanto adormeço e minha matéria brinca de desistir.
Há canções impecáveis esperando uma voz e há textos ansiosos pela escrita. Há meus olhos também por detrás da janela. Há defronte a janela esta paisagem de desassossego. A distância imensurável que há entre os desconhecidos. Essa matemática do improvável, essa ciência do indeciso.
E, no entanto, o ouvido do mundo que tudo escuta e faz eco diz o que a voz do silêncio quer ouvir, mas eu não escuto e por isso sou tímida diante de Deus.
Há em teus olhos adormecidos este delicioso sonho e é quando despertas que posso vê-lo debaixo de teu travesseiro. Guardado. Ele adormece profundo e você não vê.
Diante do mar posso supor essa distância hipotética entre o céu e a terra. Eles se tocam continuamente e penso que se trata da mesma ordem de distância que separam os homens. Por isso, essa presença sem solução e cheia de poesia que é a vida me perturba e me enche de esperança. E eu posso enxergá-la em teu corpo em movimento nas noites que segues acordado, quiçá atento ao que ela não diz.
E era teu corpo à toa, flutuante, à deriva. Livre, livre daquela distância que separam os homens, que eu buscava debaixo de teu travesseiro todas as manhãs. Conversas pequenas, salgadas, em ondas. Contínuas. Insignificantes fragmentos de histórias cotidianas de uma ilha perdida no mar. Somente, porque era tu, o filho pequenino da solidão.
2013